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Foto do escritorAndréa Catrópa

ECO

A EUFORIA DAS FESTAS DE FIM DE ANO COMBINADA À DISFORIA DA DEPRESSÃO PÓS-PARTO INSPIRAM ESTA DOLOROSA FICÇÃO, BASEADA EM FATOS REAIS.

Não se homenageia alguém com flores mortas. Mas as vozes que repetem fórmulas tampouco se esforçam. Veja, não estou tentando prestar condolências. Apenas me esquecer de que a terra ainda gira. Talvez ambos (neste exato momento em que os relógios digitais se espreguiçam para desenhar o terceiro dia do ano) sejamos embalados em macas. O aço e as luzes frias tentam atiçar, mas já escapam aos nossos sentidos. Não é cruel, saber que o mundo não para mesmo diante de tal feito? O útero que cospe e come. A fêmea que despreza as asas e salta?


É possível que, para ser deus, haja certa displicência. A futilidade do esteta que testa seu traço no barro, na pedra, na carne. Para ver se um dia acerta. Mas uma mãe sabe que, ao soltar a corda, seu filho entrará em órbita. E quando é a hora certa de trazê-lo de volta? Como ser a referência de alguém que ainda não conhecemos e que já nos transforma?


E também estes dias quentes. O pisca-pisca mal-ajambrado nos portões, a ceia e os presentes. Tantas pessoas dormem sob as marquises. A uva passa, certamente, é assunto que divide apenas os privilegiados. Aqueles que podem escolher. Espumante doce ou demi-sec? Carreira ou família? Beleza ou inteligência? Meus seios escorrem leite sem que eu queira. Pode ser que mais cedo eu tenha me esquecido de alimentá-lo. Os mamilos doem, rachados. São eles que gritam ou o meu bebê?


Sim, ele estava no berço. Há pouco. Mas não se parecia em nada com este. Tento agarrá-lo, dar o peito. Ele suga minhas rugas. Em segundos, somos centenários. O maquinário sob a pele enferruja rápido. Eu e meu bebê mumificado. Só nós sabemos do segredo. Os vizinhos trazem cartões. Os avós riem e oferecem bolos. As sobrinhas planejam jejuar a partir do Ano Novo. Mas nós estamos mortos. Antes da Missa do Galo, antes do Show da Virada, antes do espocar de fogos e do renovar de votos. Nós estamos mortos, sorrindo nas fotos.


O útero que expele e engole. O cordão que alimenta e enforca. Minhas mãos conseguem abrir uma fenda no círculo. A janela é uma arquitetura que rompe com o ciclo fechado da vida. O sangue mensal estanca. O coágulo cresce e vira um rosto. Terá nome, documento, pagará impostos, enfrentará filas. Mas por ora é carne de minha, sangue de meu. Somos gêmeos. Somos aves. Ainda que ninguém ouça um pio.

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1 Comment


scapestrani
Jan 03, 2018

Tensa, forte, dura prosa poética. muito bom! feliz ano! bj

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