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Foto do escritorAndréa Catrópa

Entrevista com Kenneth Goldsmith: assumindo que não há leitores para a poesia


Em entrevista dada ao Louisiana Channel, em 2014, o estadunidense Kenneth Goldsmith faz algumas afirmações que retomam a sua ideia de "uncreative writting" (escrita não-criativa) e que caracterizam bem o seu estilo polêmico e performático.

Eu era um artista, depois me tornei um poeta, depois um escritor e, agora, quando alguém me pergunta eu simplesmente me refiro a mim como um processador de texto.

Inicialmente flertando com as Artes Plásticas antes de se tornar poeta, Kenneth foi também o criador da UbuWeb, um repositório de trabalhos artísticos experimentais, cujo atual slogan é "Toda a vanguarda. Todo o tempo".


Como o vídeo acima está em Inglês e sem legendas, faço aqui a tradução resumida e aproximada de algumas de suas afirmações:

  • Sou Kenneth Goldsmith, um poeta que mora na cidade de Nova York, uma cidade cheia de palavras. A poesia está ao nosso redor, só precisamos colocá-la sob nova moldura e, de repente, ela torna-se nossa.

  • Eu acho que, para onde a tecnologia aponta, a arte segue. Não o contrário. E estamos vivendo um tempo com mudanças tecnológicas tão incríveis que apenas prestar atenção nelas me dá idéias surpreendentes. É por isso que não sou um e-poeta ou um artista de rede. Eu publico livros em papel. Todo o meu ethos e produção são baseados no fato de que vivemos na era digital (...), mesmo que apareçam em uma página analógica.

  • Se eu não tenho dúvidas, não faço o projeto; quero dizer, se parece literatura, não estou interessado em fazê-lo. Você sabe, certamente, eu não escrevo para um mercado, não há mercado para o que faço. São apenas idéias; então sou obrigado, como poeta, a ser o mais experimental possível, porque não tenho nada a ganhar jogando com segurança. Eu entendo que é um jogo muito diferente se você é um romancista, que pode vir a ter leitores, gerar milhões. Mas essa não é a questão da poesia, a questão da poesia é metafísica e filosófica.

  • Por isso, acho que a poesia é o lugar de ponta e o mais interessante para se estar ponto de vista artístico. Ela é a única, entre as artes, que não se baseia em nenhum tipo de economia e, portanto, é a forma artística mais livre de todas.

  • Meu trabalho artístico é tão objetivado que, por meio de leituras críticas, qualquer ideia que seja trazida sobre ele será válida. Eu fico espantado com o que as pessoas escrevem sobre o que escrevi. Eu não escrevi propriamente, apenas movi algumas coisas para um pedestal, para que as pessoas possam observá-las. É um jeito mais honesto de lidar com um artefato, dizendo, "isso não é interessante?". E sob qualquer perspectiva que você observá-lo, estará certo.

  • Eu acredito que a escrita contemporânea precisa ser consciente de seus meios e manipulá-los como seu conteúdo principal. Se você não está fazendo obras de arte com a intenção de tê-las copiadas, você não está realmente fazendo arte para o século XXI. Os julgamentos de plágio e de direitos autorais do século XXI são o que julgamentos de obscenidade foram para o século XX.

  • Eu amo a criatividade, mas simplesmente não gosto do ela se tornou. Por isso, quero preenchê-la com idéias de plágio, insinceridade, inautenticidade, todas essas coisas que não puderam ser incorporadas em sua prática. Pois a criatividade está tão esfacelada que tenho a esperança de revigorá-la novamente trazendo o seu outro lado.

  • O que a literatura poderia ser numa era digital, na qual as máquinas estão trazendo à tona tantas palavras, mais do que jamais poderíamos ler. Uma das grandes tragédias dos poetas é que eles imaginam que estão sendo lidos. Eles não estão sendo lidos. E quanto mais difícil a poesia, menos lida será. Eu percebi isso com os poetas L=A=N=G=U=A=G=E , acreditando que todos estavam se debruçando sobre suas palavras. Ninguém estava. Mas o que estavam fazendo era refletir sobre a forma como a poesia L=A=N=G=U=A=G=E estava sendo feita a partir de novos caminhos. As pessoas estavam pensando mais sobre ela do que a lendo. E pensei, vamos partir daí: assumir que não haverá leitores, e vamos realmente trazer conceitos interessantes sobre os quais refletir. Acho que é um jeito mais honesto de se encarar a poesia. O que as pessoas leem? Posts do Facebook, tuítes, pequenas textos com informação. Mas poesia, e literatura, ficam em último lugar.


Leia mais sobre o autor e seu trabalho publicado no Brasil pela Luna Parque Edições na matéria do crítico Victor da Rosa.


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