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Foto do escritorAndréa Catrópa

Spam Lit: o lado bom do lixo eletrônico?

Atualizado: 8 de jan. de 2018



Desde o início da world wide web, nossas comunicações foram atacadas por spam. Nós o ignoramos quase tanto como o recebemos, mas por volta da virada do século, a busca comercial por nossa atenção acabou ganhando outro fim.

Eis o que ocorreu: para ignorar filtros cada vez mais eficientes, os spammers começaram a incorporar blocos de texto - muitas vezes roubados de grandes obras literárias através do Projeto Gutenberg - em seu lixo eletrônico. Recursos como, por exemplo, o algoritmo Dissociated Press foram empregues para gerar aleatoriamente novos textos, colagens ou "saladas de palavras", essencialmente sem sentido, para que cada mensagem parecesse única. Lee Ranaldo comparou o resultado com um "dicionário explodido". Outro adepto do expediente, Ben Myers, observou que "era como se o texto tivesse sido remixado de alguma forma e rompido as amarras da modernidade". A "Spam Lit", como Jesse Glass nomeou a tendência em 2002, curiosamente espelhou experimentos literários que ocorreram simultaneamente: a exploração de Jeff Noon - através de amostragem e remixagem textual - de "metamorficção" em Cobralingus; poemas aleatórios de Jeff Harrison baseados nas Cadeias de Markov; ou mesmo o desconcertante cyber-tagarelice de Kenji Siratori.


Igualmente intrigante foi a tendência que a revista Wired identificou, em 2006, como "spam vazio": mensagens de Spam Lit que, paradoxalmente, eram totalmente literárias e não tinham nada de spam. O consenso entre geeks era de que, provavelmente, elas tivessem sido disparadas por engano devido a falhas de conexão do servidor. Para os seus destinatários, no entanto, encontrar ao acaso esses alumbramentos poéticos - muitas vezes, contendo cacos de beleza acidental, mas inequívoca - pareciam, nas palavras de Myers, como "escrituras do futuro" ou "cartões postais de outro planeta". Descobri-los na sua caixa de entrada poderia fazê-lo sentir-se um pouco como o Orfeu de Cocteau, captando mensagens poéticas cifradas do submundo diretamente no rádio de seu carro.


Não é de admirar, então, que o Spam Lit deveria ter inspirado o único novo gênero literário do início do século XXI. Os primeiros exemplos de Spoetry registrados datam de 1999. Uma competição anual pioneira até foi estabelecida pela Satire Wire no ano seguinte. Em 2003, quando a BBC captou o fenômeno, já era bem claro que os escritores estavam se aproximando do Spoetry de maneiras muito diferentes - uma observação confirmada pela Anthology of Spam Poetry (2007) de Morton Hurley. Alguns, como Kristin Thomas, apenas usaram o que vinha escrito no assunto dos spam; outros se contentaram em cortar, colar e adicionar seus nomes à la Duchamp. Myers, que acabou de publicar uma coleção intitulada Spam (Email Inspired Poetry) acredita, por sua vez, que o segredo reside na edição: "Um poeta de spam é tanto um editor como um bardo". O co-fundador da Sonic Youth, Lee Ranaldo, que acaba de lançar uma antologia (Hello From the American Desert), usa e-mails de spam mais como fonte de inspiração para seu trabalho do que como matéria-prima. Mark Amerika, por sua vez, descreve a composição de seus 29 Inches como uma "colagem de spam" e um "remix narrativo".


Apesar de ter sido publicado no ano passado, o trabalho de Amerika foi escrito em 2004, que também é o ano em que Myers e Ranaldo escreveram seus primeiros Spoems. Nenhum deles estava ciente de que os outros estavam fazendo coisas semelhantes ao mesmo tempo. Algo devia estar no ar. Se a minha caixa de entrada for um parâmetro, no entanto, o Spam Lit está em declínio, então, pode ter chegado o momento de avaliar os méritos da Spoetry como realização literária. Além das afinidades óbvias do gênero com o automatismo, as colagens, a escrita feita a partir de restrições (do tipo Oulipiano) ou o readymade, ela tem algum valor?


(Tradução livre do artigo " Spam Lit: the silver lining of junk mail?", originalmente publicado em The Guardian)





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