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  • Foto do escritorAndréa Catrópa

Escrevendo para robôs

Atualizado: 8 de jan. de 2018

Como a intimidade com o computador tem influenciado os escritores?



Entre 2003 e 2004, diariamente, Jorge Candeias dedicou-se a escrever poemas. Estaria ele apaixonado e buscaria, com sua eloquência poética, conquistar a atenção da amada? Ou sua inspiração viria de conflitos interiores que remontavam ao desejo catártico de abandonar as lembranças de uma infância problemática?


Não, na verdade, o escritor e tradutor português respondia a um estímulo criativo bem mais prosaico: aos títulos de spam que diariamente lotavam a sua caixa de mensagens.

O registro desses 366 poemas ("o ano era bissexto", esclarece o autor em seu blog) ganhou o título de Spamesia. Entre esses textos, transcrevemos o que foi escrito no 27º dia do experimento:


Os teus problemas com o carro acabaram, amigo agora somos nós os donos do petróleo, nós definimos as regras do jogo, nós marcamos os preços, nós distribuímos energia ao nosso critério, tu, amigo poderás escolher entre ser amigo e não ser, portanto entre recebê-lo e não o receber. Seja como for, acabaram para sempre os teus problemas com o carro. De futuro, os teus problemas serão connosco.


A experiência de Candeias avizinha-se de outras práticas que, com a incontornabilidade do uso de dispositivos eletrônicos para a produção textual, utilizam-se das ferramentas eletrônicas como matéria criativa. Os já mencionados spans geraram a Spam Poetry ou SPoetry no início dos anos 2000. E também a Google Poetry, cujo precursor foi o site Googlism, criado por Paul Cherry and Chris Morton em 2002. No site, os autores esclarecem que:

O googlismo foi criado como uma ferramenta divertida para ver o que o Google "pensa" de certos tópicos e pessoas. Claro, os resultados não são realmente a opinião do Google, eles refletem o que pensam os proprietários de sites do mundo. Dentro dos resultados do Google, existem milhares de pensamentos e opiniões sobre milhares de tópicos, pessoas, nomes, coisas e lugares diferentes; simplesmente, buscamos no Google e informamos o que os criadores de conteúdo pensam sobre o nome ou tópico que você sugeriu.

Não só esses exemplos refletem um desejo de dialogar criativamente com as potencialidades do meio eletrônico, como reforçam um traço verificado desde os primórdios de seus registros que chegaram até nós: a pesquisa formal dos limites da linguagem para alcançar o máximo de eloquência poética. Com isso, era de se esperar que no século XXI proliferassem experimentos mesclando não só as várias linguagens artísticas (evocação do elemento verbivocovisual tão aclamado pelos poetas concretos), como questionando o papel do código digital ( a CodePoetry, em suas diversas vertentes) como fator determinante do que enxergamos em nossas telas.


A poesia que vemos em nossos smartphones, tablets, e-readers e computadores é uma questão de superfície ou do que se esconde sob a interface amigável? Existe a possibilidade de ignorarmos que cortar, colar, pesquisar na internet, salvar diferentes versões de um mesmo texto transforma não só a nossa sensibilidade, mas o ato mesmo da escrita?



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